Um homem que sente prazer sendo penetrado por outro homem pode ser chamado de heterossexual?
É importante lembrar que, no Brasil, segundo os estudos antropológicos, até a década de 80, os homens se dividiam em: machos e bichas. O macho era o que penetrava outros homens e as bichas os sujeitos que eram penetrados.
O homem que penetrava não perdia o status de macho, inclusive em algumas situações tal fato era uma prova de sua virilidade.
A partir dos anos 80, com a popularização dos discursos científicos oriundos da Europa, uma nova concepção de sexualidade ganha amplitude no Brasil, em que os sujeitos não são mais divididos em machos e bichas, mas em heterossexuais e homossexuais. Os heterossexuais são os que desejam e mantém práticas sexuais com o sexo oposto, enquanto os homossexuais com o mesmo sexo.
Uma concepção não substitui a outra e, embora a segunda passe a ter mais força, as duas continuam operando no Brasil.
É comum ouvir casos de homens considerados heterossexuais que penetram outros homens, isto é, de alguma forma, nossa cultura mantém uma certa permissividade ao homem considerado heterossexual penetrar um outro homem, desde que não tenha ocorrido algum envolvimento emocional e afetivo e os atos não tenham sido sistemáticos (constantes).
Esse tipo de homem, heterossexual, masculinizado, foi e é considerado o ápice do desejo de muitos homossexuais, símbolo de uma masculinidade verdadeira e autêntica. Não obstante era preciso que, além de masculinizado, esse homem fosse ativo, isto é, um “comedor”, mas eis que agora começa a surgir uma categoria de sujeitos que se dizem heterossexuais passivos.
Os heterossexuais passivos não penetram homens, são sempre penetrados. Os que mantém relações sexuais penetrando e sendo penetrados por outros homens se denominam de heterossexuais versáteis, que é uma categoria bem mais comum.
Onde se encontram tais sujeitos?
Minha aposta é que em muitos espaços de sociabilidade, principalmente em bairros populares, ocorrem interações que não podem ser explicadas pela dualidade heterossexual versus homossexual ou ativo versus passivo.
Nos sites de relacionamentos manhunt e disponível alguns diziam que buscavam novas experiências e que estam dispostos a serem penetrados; outros sinalizam que são experientes e que desejam serem apenas passivos nas relações sexuais.
Outra forma de sociabilidade entre esses homens ocorre nos chats do UOL. Existem salas específicas e uma delas é destinada a sexo entre homens heterossexuais.
Um caso explorado midiaticamente é do ex-pastor evangélico da Igreja Universal, Alexandre Senna, que tornou-se ator pornô passivo, após o pedido da esposa, que não aceita que ele penetre mulheres, mas também porque seu pênis não está no padrão da indústria pornô. As pessoas que comentam as notícias nos sites e blogs sempre dizem que o mesmo é um homossexual enrustido, pois não concebem um heterossexual fazendo sexo anal passivo.
Se tomarmos os sistemas classificatórios para explicarmos os sujeitos, aniquilamos as diferenças, enquadrando-os em poucas possibilidades. Ao contrário, se utilizarmos as experiências e questionarmos os sistemas classificatórios, podemos problematizar o quanto a divisão heterossexual, homossexual e bissexual é limitante e não dá conta de explicar a sexualidade humana, que é complexa e atravessada por diferenças e singularidades.
Vale ressaltar que, mesmo recusando a homossexualidade, esses sujeitos assumem uma outra identidade problematizada, considerada anormal até por aqueles que aceitam a homossexualidade. Constroem, também, uma identidade considerada desviante.
É bem certo que a heterossexualidade confere um status de privilégio, no entanto, a passividade marca negativamente o homem. Poderíamos pensar numa tentativa de limpar a passividade de um status negativo e histórico? Talvez a masculinidade se transforme em um padrão cultural tão fortemente exigida que mesmo na passividade seja preciso estar dentro de tais padrões.
Podemos dizer que essa identidade hétero-passivo é uma invenção? Sim, toda identidade o é! A divisão hétero versus homo, ampliando para bissexualidade, é também uma invenção da ciência oitocentista, uma ficção. Uma criação que, apoiada no positivismo, acredita que poucas palavras conseguem dar conta da paisagem sexual. Uma limitação e higienização da nossa singularidade.
Nós estamos, no entanto, tão impregnados dessa construção binária que, se um homem se envolve com outro, nós questionamos o sujeito e nunca a divisão binária. Por que não questionamos essa ideia de que os heterossexuais não sentem prazer anal? Será que é possível mesmo que exista um grupo tão hegemônico em termos quantitativos que ignore determinada área do corpo?
Não estou desconsiderando o modo como o preconceito dificulta uma assunção à homossexualidade, mas considerando que, além de se proibir uma identidade, se interdita também o corpo, isto é, há uma castração anal, um interdito sobre o ânus. Os heterossexuais têm o ânus castrado.
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